Quem sou eu

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Maringá, Paraná, Brazil
Às vezes se faz necessário caminharmos contra a corrente para descobrirmos a nós mesmos. O exercício se resume em olhar nos olhos daquele que vem ao nosso encontro!

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

VOCÊ É UM ANJO?


Estava atrasado. As horas passaram tão rapidamente naquela manhã que quando me dei por conta o relógio já batia quatorze horas.
Entrei no escritório. Sobre a escrivaninha, uma pequena boneca parecia fitar-me. Parei à sua frente. Minhas mãos tocaram seus cabelos como se fossem de uma criança que, à espera de um carinho, adormecera.
No ímpeto daquele instante, sem nenhum motivo aparente, apanhei-a, coloquei-a em minha bolsa e saí.
No carro, a caminho da escola, alojei a bolsa sobre o banco do passageiro. De minuto a minuto meus olhos se desviavam para certificar-se que estava ali. Impaciente, abri a bolsa e apanhei a boneca, que parecia querer dizer-me algo. Acomodei-a sobre o volante de forma que pudesse vê-la enquanto dirigia. Seus longos cabelos negros esvoaçavam com o vento que invadia o automóvel. Por um momento meus pensamentos voaram sem destino, para um mundo de fantasias, onde as bonecas tinham vida; enquanto o carro invadia a pista contrária. O som de uma buzina fez-me voltar a atenção à estrada. Voltei a si e coloquei-a novamente na bolsa e fechei o zíper, tentando dizer-lhe: ‘fique quieta! Não saia daí’. Fez-se silêncio em minha alma, mas nem por isso o tempo parou.
No pátio da escola, crianças corriam por todos os lados, aproveitando os minutos do recreio. O barulho era ensurdecedor. Desci do carro e tomei o corredor principal que dava para a sala dos professores. Algo ainda me inquietava o coração. Antes que eu pudesse tocar a maçaneta da porta uma pequenina mão segurou a minha, tendo como fundo um grito estridente: ‘professor! Professor!Tem uma menina chorando. Chorando muito! Tentei falar com ela, mas ela não para de chorar. Acho que ela brigou com alguém. Vem vê...vem vê’.
Tomado pela surpresa deixei-me levar. A menina aparentava oito anos. Estava sentada num banco rústico, feito do tronco de uma árvore, num canto isolado do pátio. Seus cabelos negros caíam por sobre a face, ocultando o choro, enquanto o soluço e as lágrimas se faziam eminentes. Abaixei-me. Minha presença parecia insignificante. O soluço aumentava, amparando o desespero daquele choro sentido. A criança chorava com a alma, alheia ao resto do mundo.
Minha mão roçou-lhe os cabelos e parou em seu queixo. Suavemente, levantei-lhe a cabeça, tentando ver seus olhos. A criança desesperou-se. Ajoelhei-me e abracei-a em silêncio, apertando-a contra meu peito. Ficamos assim por um instante, até que uma frase, intercalada de soluços, rompeu os dentes cerrados: ‘eu...não sou o que...aquele menino disse! Eu não sou! Não sou’!
Apertei-a ainda mais contra meu peito, como se confirmasse suas palavras: ‘tenho certeza que não é’! Aos poucos, a criança foi se acalmando. Antes, porém, de um último soluço, outra frase apunhalou-me os ouvidos: ‘eu não sou como minha mãe! Eu não vou fazer o que ela faz...’!
Estremeci, enquanto o desespero saltou novamente sobre a menina. Meus olhos transbordaram o que meu coração sentia. Nem mesmo era necessário compreender suas palavras. Bastava-me compreender seu sofrimento. Sofri com ela. Abracei-a! Era como se sua dor fosse minha dor. Era como se sua mãe fosse minha mãe. Era como se aquela coroa de espinhos que estraçalhava seu pequenino coração pudesse coroar o também o meu. Suportei em silêncio aquela dor, enquanto, aos poucos, aquela criança se abandonava no meu colo...por um imenso segundo...interrompido pela sirene da escola.
Levantei-me e com os polegares enxuguei-lhe as lágrimas, que ainda escorriam, em silêncio. Ajoelhei-me novamente, abri minha bolsa e apanhando a boneca sorri-lhe: ‘eu trouxe pra você’! Entre as lágrimas, a garotinha deixou escapar um sorriso. Apanhou a boneca, abraçou-a e apertando-a contra seu colo inclinou a cabeça. Seus cabelos longos caíram sobre sua face, e, ocultando parcialmente a boneca, revelou uma incrível semelhança: pareciam gêmeas! Levantou a cabeça lentamente e, enquanto segurava a boneca com uma das mãos, a outra procurava meu pescoço. Abraçou-me com confiança, enquanto seus lábios pronunciaram as palavras mais doces que já ouvi: ‘você é um anjo’?

...e a sirene tocou novamente, chamando-a para a sala de aula.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

DÊ O MUNDO DE PRESENTE


Muitos são aqueles que nos enviam congratulações nesta época natalina, desejando-nos alegrias e felicidades mil.
Uma grande maioria destes, são pessoas que durante o ano inteiro passaram quase que desapercebidas ao nosso lado, e que agora, imbuidos de um espírito de fraternidade, procuram de alguma forma propagar o amor entre as pessoas.
Muito mais são os que, excluídos do convívio familiar e carentes de amigos e dignidade, são esquecidos pelos 'Papais Noel' do mundo.
Sejamos então, nós mesmos, de corpo e alma, os melhores 'presentes', fazendo-nos presentes!
O MELHOR PRESENTE É O JESUS QUE PODEMOS SER PARA O OUTRO.
DÊ O MUNDO DE PRESENTE À ALGUÉM, PROMOVENDO SUA DIGNIDADE, ACOLHENDO-O COM CALOR HUMANO EM SUAS REAIS NECESSIDADES.
DOE-SE NESTE NATAL!!!!
SEJA VOCÊ O 'JESUS' DE ALGUÉM!!!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

A CRIANÇA, O HOMEM E O VELHO


A mesa para o café estava posta. Tudo parecia impecavelmente organizado e limpo. Sentei-me. Após alguns segundos de espera resolvi num impulso de amor, prepara-lhe o lanche.
Tomei o pão e cuidadosamente cortei-o. Passei-lhe manteiga e coloquei-o no prato, sobre o guardanapo de papel. Repeti a cena e servi-me, enquanto a aguardava. Entretido, não a percebi aproximar-se. Ela abaixou-se e recolhendo algo do chão quebrou o silêncio: ‘êh, meu velho! Voltou a ser criança mesmo! Veja quantas casquinhas de pão você já esparramou pelo piso’.
Tomado pela surpresa, sorri marotamente, enquanto suas palavras faziam eco em minha consciência. A crítica não tinha um tom de ofensa, nem poderia, pois tenho apenas cinqüenta anos e de forma alguma me considero velho. Pelo menos eu não! No entanto, penetrou em minha alma e, num flash de segundos arrancou-me uma profunda reflexão que me levou a responder-lhe com uma indagativa: ‘e você, sabe por que o homem quando fica velho volta a ser criança?’ Fez-se novamente o silêncio. Nossos olhares se encontraram na tentativa de alçar uma resposta, que nem mesmo eu sabia. Nunca havia pensado nisso. Ela voltou o olhar para o chão, apanhou a última migalha de pão e murmurou, balançando negativamente a cabeça: ‘não! Eu não sei a resposta. Você sabe?’
Foi incrível. A imagem de Cristo tomando uma criança no colo surgiu como num passe de mágica em minha mente, enquanto a resposta soava instantaneamente em minha boca: ‘quando ainda criança, o homem vive a pureza de coração. Tem sua alma livre das coisas do mundo e vive cada momento em plenitude. Não julga, não deseja o mal, não se preocupa com o amanhã. Vive a fantasia da vida no momento presente, sem vínculos com o passado ou com o futuro. Quando cresce, pensa ter consciência de si mesmo e quer usufruir de tudo que o mundo lhe oferece, como se fosse o dono de todas as coisas. Acumula bens materiais, planeja seu futuro tendo como base o que viveu no passado. Preocupa-se com o amanhã e se esquece muitas vezes de viver o dia de hoje. Trabalha e estuda freneticamente. Ocupa todo seu tempo com a correria da vida moderna onde o que mais importa é o conjugar do verbo Ter, na primeira pessoa. Quando a idade chega e ele envelhece, percebe que sua vida foi uma tremenda ilusão. Na busca do Ter, deixou de Ser. Então, volta a ser criança, na tentativa de ainda poder resgatar um pouquinho da dignidade que a ambição lhe tomou e o impediu de ser feliz. Quem sabe assim, como criança, ainda possa sentar-se novamente no colo do seu criador e, desapegado das coisas deste mundo, possa sonhar com seu pedacinho de céu’.
Novamente nossos olhares, agora molhados, se cruzaram. Ela sorriu-me, e pude perceber Jesus refletido em seus olhos.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O PREÇO DA VIDA


Hoje,alguém estendeu-me a mão.
Pude perceber, transfigurada em sua face,
a solidão em que o mundo vive.
Ouvi o tilintar das moedas sucumbindo-lhe as mãos,
sem, no entanto, estancar-lhe o sangue das feridas.
É Jesus, crucificado e abandonado que grita:
Tenho fome,
Tenho sede,
Tenho frio!



Infelizmente, na grande maioria das vezes, passamos pelos nossos irmãos sem percebê-los. Olhamos, mas não os vemos. Damos-lhes roupas, cestas básicas, brinquedos, mas não os enxergamos na sua real miséria. Não me refiro somente à miséria material, mas também, e principalmente, à miséria espiritual e intelectual, capazes de transformar um ser humano num ser sem alma (1).
Pobre daquele que estende a mão somente para atirar moedas ao próximo, sem ao menos tocar-lhe a face. É como pagar uma dádiva (a vida) com falsas moedas. Muitas vezes nos preocupamos tanto em saber o que o outro faria com nossas míseras moedas, que nos esquecemos de suas principais necessidades: calor humano e dignidade.
Lembro-me que certa vez, quando me dirigia a uma escola de periferia para iniciar um projeto voluntário, eu me encontrava tomado pela ansiedade e pelo medo. Ansioso devido às situações que poderia ali encontrar, e com medo de não ter a mínima capacidade de fazer alguma coisa, ou ao menos ser provedor de qualquer ajuda.
Enquanto fazia o trajeto até o local, procurei desfazer-me desses sentimentos concentrando-me naquilo que julgava ser o mais importante: a vontade de Deus para mim naquele momento. Em oração pedi-Lhe que se fizesse em mim o instrumento necessário para a realização daquele projeto, e que, encontrasse ali as pessoas necessárias para auxiliar-me, de acordo com o ‘Seu projeto’.
Quando lá cheguei, fui recepcionado por um garoto que correu para abrir-me o portão. Agradeci-lhe e passando a mão em seus cabelos perguntei-lhe o nome. Ele me respondeu e logo indagou sobre o que eu estava fazendo ali e se era vendedor de livros. Respondi-lhe amorosamente, enquanto meus braços tocavam seus ombros e de sua face via-se brotar um sorriso.
Enquanto caminhávamos para o interior da escola, um segundo menino apareceu e, vendo a cena, perguntou se nos conhecíamos. Respondi-lhe que ‘ainda não!’, mas que já éramos bons amigos. Imediatamente o garoto ‘entregou a ficha’ do colega: ‘este é o fulano. É o chefe da gang. Tudo que acontece por aqui é ele quem manda’. O outro retrucou: ‘não me entrega assim, ôo dedo duro!’ Sustentei a conversa em tom de brincadeira e procurei manter-me próximo daqueles dois, pois via ali o retrato das dificuldades que encontraria naquele lugar.
Semanas mais tarde reencontrei-os na sala de aula onde iniciamos o projeto e pude perceber que ‘a vontade de Deus’ se fazia mesmo sobre eles. Não nos afastamos mais. Laços cada vez mais fortes garantiam nossa unidade, que crescia na medida em que me aprofundava nas suas reais necessidades.
Cerca de dois meses depois, já com um pequeno grupo de pessoas, visitamos a família de um deles, onde nos deparamos com uma realidade ainda mais penosa, compartilhada com cinco irmãos que tinham entre um e onze anos. Sentimos na pele seu cotidiano, e, ‘ouvindo o silêncio do seu coração’ entendemos o que fazer e por onde deveríamos começar.
Ouvimos também, gratificados, o testemunho de sua mãe que nos relatou: “(...) ele está mesmo diferente. No fim da semana passada ele ajudou o avô e ganhou dez reais. Chegando em casa me deu o dinheiro e disse que era para ajudar nas despesas da casa. Passados alguns minutos ele me perguntou se aquilo era um ato de amor para com os irmãos (...) agora compreendo o que ele queria dizer”.
Imediatamente veio-me à mente uma reflexão de Chiara Lubich(2) onde ela nos fala, complementando um dito popular, que ‘não devemos dar o peixe, nem tão pouco ensinar a pescar, mas pescar com o outro’.
Compreendo, portanto, que é mergulhando na verdade do outro, vivenciando sua realidade, compartilhando seus momentos de fraqueza e de glória que o conhecemos em sua ‘unicidade’ e nos habilitamos para amá-lo concretamente.
Um amor com intensidade e profundidade, capaz de ‘abalar as estruturas’ do outro, que, sentindo-se amado, também ama e, retribuindo o amor recebido, gera a reciprocidade. Uma corrente de amor que vai e vem, e que, envolvendo o meio que o cerca, transforma-o. Um amor que não cabe em si, e transborda; e que, invadindo a comunidade, gera mais amor, constituindo a unidade, a fraternidade universal.
Parece utopia, mas não é! Somos capazes de prover a necessidade íntima do outro. Basta amá-lo em sua necessidade, doando-lhe o amor que esperamos nós recebermos.
Parece um grão de areia em meio a um oceano, mas não é! E mesmo que fosse já vi muitos grãos de areia que se transformaram em verdadeiras pérolas.




(1) Incapacitado para o amor.
(2) Fundadora do Movimento dos Focolares - Obra de Maria. (Itália, 1920 – 2008).

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O QUE QUERES DE MIM?!





A vida em comunidade representa muito na construção do testamento de Cristo:
“Que todos sejam um“.
É a semente que selecionada na cruz, deve morrer para gerar a vida. Se não morremos, não construímos unidade. Se não deixamos nosso “eu” para trás, somos impossibilitados de viver o outro. Sem viver o outro, não constituímos a vontade de Cristo.
Devemos repensar, com muito cuidado, qual é a vontade de Deus para cada um de nós. Não podemos viver de renda, muito menos, nos escondermos atrás de um amor morno, incapaz de germinar qualquer semente.
Quer saber o tamanho do seu Amor?
Basta olhar quantos frutos já produziste para Cristo.
Olhe em volta de sí. Olhe para seu interior e pergunte:
- O que queres de mim, Senhor?
Ele vos responderá, com certeza:
- Eu vos quero Santos!
Eu vos quero santos, refletidos e mergulhados no irmão. Eu vos quero “um”, tal qual Eu e o Pai somos um.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

VITRINE DE NATAL














Hoje eu vi Jesus.
Ele estava em pé, em frente a uma vitrine, no centro da cidade. Reconheci-O imediatamente. Trajava uma túnica de linho branco e calçava sandálias de couro cru. Seus cabelos eram longos e por sobre sua cabeça reluzia uma coroa de espinhos. Seus braços, estirados em direção ao personagem central daquela cena, pareciam implorar por algo infinitamente impossível. Em suas mãos, duas chagas eram visíveis: inconfundível marca da cruz!
Seus olhos, refletindo tristeza no vidro da vitrine, brilhavam tal qual as luzes que enfeitavam o cenário. Seu semblante parecia suplicar: eis-Me aqui!

Crianças brincavam dentro da vitrine. Flashs e mais flashs registravam em máquinas digitais a branca barba do homem, que vestindo vermelho e branco, distribuía balas e sorrisos. Pilhas e mais pilhas de presentes caminhavam nos braços dos transeuntes que atropelavam-se no interior do loja.

Do lado de fora, a noite caía, enquanto a multidão ia e vinha sem se perceberem. Aproximei-me devagar. Pude notar que em sua túnica branca havia também o vermelho: gotas de sangue que escorriam pelos cabelos e manchavam suas vestes. Aproximei-me ainda mais, até o ponto de fixar meus olhos nos Seus, refletidos na vitrine. Percebi então, que o brilho dos seus olhos eram lágrimas. Estendi minhas mãos e toquei-lhe as vestes, que imediatamente foram ao chão, deixando transparecer as marcas do mundo. Também foi ao chão a coroa de espinhos. Recuei! Apagaram-se todas as vitrines. Somente a intensa luz que exalava do manto de linho branco se fazia ver. Meus olhos queimavam de medo e dor. Tapei-os com minhas mãos e, por entre os dedos vi o milagre: do breu da noite surgiu uma virgem de olhar terno e sorriso manso. Com os braços abertos, caminhou em direção às vestes que jaziam no chão; enquanto um menino renascia num facho de luz.