Muito me apraz uma recordação que trago da infância,
desde os meados de 1969, quando, por ocasião das comemorações do dia das mães,
assisti, maravilhado, a encenação da música ‘Mamãe, mamãe, mamãe’, gravada por
Agnaldo Timóteo e Ângela Maria. (Abaixo).
Mamãe, mamãe, mamãe
Composição:
(Herivelto Martins/David Nasser/Washington Harline)
Ela é a dona de tudo,
Ela é a rainha do lar,
Ela vale mais para mim,
Que o céu, que a terra, que o mar,
Ela é a palavra mais linda,
Que um dia o poeta escreveu,
Ela é o tesouro que o pobre,
Das mãos do senhor recebeu,
Mamãe, mamãe, mamãe,
Tu és a razão dos meus dias,
Tu és feita de amor e esperança,
Ai, ai, mamãe,
Eu te lembro chinelo na mão,
O avental todo sujo de ovo,
Se eu pudesse,
Eu queria outra vez mamãe,
Começar tudo, tudo de novo...
Ela é a dona de tudo,
Ela é a rainha do lar,
Ela vale mais para mim,
Que o céu, que a terra, que o mar,
Ela é a palavra mais linda,
Que um dia o poeta escreveu,
Ela é o tesouro que o pobre,
Das mãos do senhor recebeu,
Mamãe, mamãe, mamãe,
Tu és a razão dos meus dias,
Tu és feita de amor e esperança,
Ai, ai, mamãe,
Eu te lembro chinelo na mão,
O avental todo sujo de ovo,
Se eu pudesse,
Eu queria outra vez mamãe,
Começar tudo, tudo de novo...
Lembro-me emocionado. Lágrimas escorrendo pela face, enquanto o coração se
fazia pequeno frente a tanta gratidão, amor e benevolência que a cena
protagonizava. Não poderia ser diferente: perpetuou-se em mim a imagem da
imaculada mãe, continente incansável das augruras da família; confidente dos
amores filiais; amiga das horas difíceis; algóz dos sofrimentos; colo caliente
das ‘febres inesistentes’ da minha infância.
Guardo ainda, no fundo do peito, a sensação de acolhimento e aceitação, quando,
na encenação, a criança se aproximou da mesa de doces onde a mãe confeitava um
bolo e, sorrateiramente, colocou o dedinho dentro da massa; o que de imediato
despertou a resposta da mãe, que, com olhar terno e sorriso acolhedor,
passou-lhe o dedo sujo de massa de bolo na ponta do nariz (cena essa repetida
incansávelmente hoje nas propagandas de margarina).
A cena continha em si tamanha plenitude de ‘troca’ entre os atores que a
criança em mim ficou tocada com o olhar penetrante e o sorriso avassalador
daquela mãe fictícia, porém, real na maioria dos lares que comumente eu
frequentava naquela época.
Não me refiro aqui à ‘mãe-avental-sujo-de-ovo’ como aquela que, submissa, arraigava-se
sob os tratos machistas, esquentando a barriga no fogão e esfriando no tanque
de lavar roupas (como retrata o jargão popular), por pura obrigação ou falta de
opções na vida. Refiro-me àquela que, por amor e livre escolha optava por ser
mãe, e como tal, assumia seu papel de ‘mãe-rainha-do-lar’ onde se realizava na
plenitude da pessoa humana e humanizadora.
Hoje, tentando reviver a cena, ou mesmo a emoção que dela exauria, descubro
decepcionado que aquela ‘mãe-com-o-avental-sujo-de-ovo’, já não existe mais!
Foi substituida pela mãe-tudo-pronto,
pela mãe-tecnológica ou mãe-microondas; ou pior: pela ‘mãe-fast-food’.
Os tempos mudaram, e com ele, nós mudamos! Ou seria o inverso: nós mudamos e
transfomamos o mundo a nossa volta? Não! Nem um, nem outro. Nós mudamos o mundo
a nossa volta, e este, transformado, nos transforma, num contínuo movimento dialético.
Somos seres no mundo, e como tal, o transformamos, criando contínuamente novas
necessidades que exigem cada vez mais o ‘aperfeiçoamento’, a transformação de
nós mesmos.
Somos seres relacionais que, sem percebermos, estamos nos transformando em
seres-tecnológicos-individuais, influenciados pela nova rainha-do-lar: a televisão! Companheira
de horas insólitas; mãe-eletrônica-dos-nossos-filhos; indicadora de moda e
costumes; banalizadora de padrões culturais; demolidora de tabus; instigadora
do sexo; agente de adultificação da criança e da infantilização do adulto;
massificadora da violência; instrumento de manobra da consciência humana;
usurpadora do primeiro afeto.
Eis a rainha: a televisão aberta do brasil! Instalada em seu trono, no
melhor local da casa: na sala de visitas, impedindo o diálogo familiar; no
quarto do casal, usurpando atenção e afeto; no quarto dos filhos, deseducando e
instigando o individualismo de suas ações e sentimentos.
Eis a rainha-do-lar: venerada em suas 42 polegadas ou mais! Promotora de necessidades
inúteis e, como camaleoa, camufladora dos seus verdadeiros interesses: manobrar
os fracos sob a tutela econômico-financeira dos fortes, subjugando-os e
reduzindo-os a escravos de si mesmos e a consumidores compulsivos e inescrupulosos dos recursos naturais, que já clamam por socorro.
Abram alas para a rainha-do-lar; e
chorem pasmos o futuro medíocre dos seus filhos, que, infelizes e atrofiados mental e afetivamente, não terão nem
mesmo o que recordar!
Nenhum comentário:
Postar um comentário